Como vimos na aula anterior, Kardec, no Livro dos Médiuns teceu sérios comentários a respeito da importância e seriedade das reuniões mediúnicas com a preparação do ambiente e dos médiuns para que as manifestações sejam produtivas e eficazes em sua proposta doutrinária. Os centros espiritas devem dispor de boa estrutura administrativa, desempenhar importantes tarefas de natureza social, doutrinaria e mediúnica, assim como desenvolver severos padrões de disciplina e de metodologia para que cada setor de atividade cumpra com seus deveres. Como poderíamos realizar um trabalho sério numa casa movimentada e bem frequentada sem regimentos adequados e normas apropriadas de procedimento? Assim cada integrante de uma seara tem de saber o que deve fazer e precisa dar conta da parte que lhe toca no conjunto.
Só que o problema é que a tarefa mediúnica tem peculiaridade que não se deixam enquadrar na rigidez de certos esquemas considerados “inibidores”. Claro que seu exercício precisa obedecer a uma disciplina operacional suficientemente severa para coibir desvios e ficar no abrigo de influências negativas próprias do médium ou provocadas por terceiros. Mesmo no limite de tal rigidez, é necessário deixar algum espaço para que cada médium possa movimentar seus recursos e faculdades pessoais bem como expressar, de maneira adequada, a personalidade do eventual comunicante desencarnado. A mediunidade é a expressão da sensibilidade do médium, seu instrumento de trabalho, e, como faculdade humana, guarda característica pessoais, como o modo de caminhar, tom da voz, impressão digital, feitio e ordenação da letra, temperamento de cada um. A mediunidade precisa ser disciplinada sem ser deformada, respeitando-se o contexto da personalidade humana no qual ela ocorre.
Portanto é importante deixar espaço e condições para que o fenômeno se produza tão espontaneamente quanto possível, ainda que sob condições de controle observacional. O dirigente de um trabalho mediúnico deve ser um bom observador, dotado de espírito crítico alertado e ter o bom senso de interferir o mínimo possível – apenas o suficiente para ordenar a sequência das tarefas e coordenar as atividades que se desenrolam sob suas vistas. Deve ser por tanto um observador “participante”, certo, mas nunca inibidor, pois ele está ali precisamente para fazer com que as coisas aconteçam e não para impedi-las ou forçá-las a ocorrerem da maneira exata pela qual ele entende que devem ocorrer.
Os médiuns são sensíveis não apenas aos seres desencarnados mas também às pressões e sentimentos, mesmo não expressos, das pessoas encarnadas que os cercam durante o trabalho (doutrinador, dirigentes, visitantes, etc) e daí que proporcionamos o revezamento entre todos de maneira a despertar a simpatia e cumplicidade de todos no trabalho, embora ainda haja médiuns de difícil relacionamento, mas está ali para aprender. Embora deva-se ter uma flexibilidade no trabalho mediúnico, isso não quer dizer, obviamente, que o médium possa e deva fazer ou permitir que se faça com ele tudo o que vier a sua cabeça ou a do manifestante, mas é preciso garantir condição suficiente para que o fenômeno ocorra dentro da dinâmica que lhe é própria. Este princípio é valido para qualquer agrupamento de pessoas, que se reúnem para qualquer finalidade. Pessoas agressivas, amarguradas, mal-humoradas, pouco educadas causam transtornos em qualquer reunião, o que não ocorre quando os componentes do grupo se harmonizam, respeitam-se mutuamente e debatem os problemas com serenidade e bom senso, ainda que divergindo neste ou naquele aspecto.
Durante a passividade (manifestação) devemos compreender e permitir que o espírito manifestante possa expressar-se convenientemente, dizer enfim ao que veio e expor a sua situação a fim de que possa ser atendido ou pelo menos compreendido nos seus propósitos. Se ele vinha indignado por alguma razão - e isto é quase que a norma em trabalhos desta natureza – como obrigá-lo a falar serenamente, com voz educada, em tom frio e controlado? Somo nós encarnados capazes de tal proeza? Não elevamos e mudamos de tom nos momentos de irritação e impaciência? Como exigir procedimento diferente do manifestante e do médium? Afinal de contas se a manifestação ficar contida na rigidez de parâmetros, acaba inibida a se torna inexpressiva, quando não é inautêntica de tão deformada. Em tais situações é como se o médium ficasse na posição de mero assistente de uma cena de exaltação e a descrever friamente, em voz monótona e emocionalmente distante dos problemas que lhe são trazidos.
E preciso considerar, no entanto, que ali está uma pessoa angustiada por pressão intimas das mais graves e aflitivas, muitas vezes em real estado de desespero, que vem em busca de socorro para seus problemas, ainda que não o admita conscientemente. Não é uma vaga e despersonalizada entidade, uma simples abstração, mas um espírito que se manifesta. É um ser humano vivo, sofrido, desarvorado, que está precisando falar com alguém que o ouça, que sinta seu problema pessoal e que o ajude a sair da crise em que mergulhou, que partilhe com ele suas dores, que lhe proporcione por alguns momentos o abrigo de um coração fraterno. O médium frio e com todos os seus freios aplicados, a manifestação não consegue transmitir a angústia que vai naquela alma. É um bloco de gelo através do qual não circulam as emoções do manifestante, a pungência de seu apelo, a ânsia que ele experimenta em busca do amor e compreensão. Nenhum problema é maior, naquele instante, para o manifestante do que o seu, em uma dor mais aguda que a sua.
Assim o dirigente não pode exigir que o médium transmita como robô, com rígida postura, com filtros das emoções. E se isso acontecer o que chega ao doutrinador não é aquilo que partiu do manifestante e sim uma versão pasteurizada e impessoal do médium que lhe transmitiu como se fosse um mero e infiel telefone. O espírito nem consegue sentir no ser que utiliza como instrumento um pouco de empatia, solidariedade, fraternidade, de emoção participante, de calor humano.
Então vejam a importância do estudo e do desenvolvimento mediúnico, a preparação e postura de um dirigente de trabalho mediúnico e acima de tudo o olhar fraternal para com a equipe de trabalho e o amor incondicional pelos irmãos em sofrimento que depende deste conjunto de coisas para encontrar um caminho de salvação.
Considerações do Tio Mário
Muitas vezes observamos que muitos trabalhadores veem cumprir seu compromisso, vem ouvir os relatos dos espíritos, dar-lhes passagem, orientá-los mas sem o menor envolvimento fraternal com suas situações e apelos ao sentimento. Se ainda para muitos é difícil desenvolver a empatia como podemos nos colocar em grupos de socorros onde o instrumento de socorro é justamente o amor incondicional pelo outro? Muitas vezes a espiritualidade não consegue fazer resgates mais profundos de irmãos em situações deploráveis porque no conjunto existe um ou outro trabalhador que não está predisposto ao trabalho bendito impactando na formação de correntes magnéticas de socorro. É para se pensar, quando saio de casa: estou realmente indo ao trabalho com amor?
Aqui é importante também ressaltar a educação e o desenvolvimento mediúnico tem por objetivo treinar o médium para que no momento da manifestação tem o autocontrole mediúnico evitando proliferação de palavrões, xingamentos, acusações, quedas de cadeiras, gritos fora da normalidade. Então muitas vezes os médiuns confundem a disciplina necessária de autocontrole com fatores de inibição.
Há centros espiritas que os desencarnados são recebidos como inimigos, obsessores, cobradores, trevosos e em nossa seara são vistos, independente, de suas falas, como irmãos necessitados do acolhimento e amor fraternal.
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